Dezenas de mulheres se reuniram nesta quarta-feira (1º), na Praça Ulisses Guimarães, emCuiabá, em um ato contra a “cultura do estupro” no Brasil. O protesto, que ocorre simultaneamente em várias cidades do país, ocorre uma semana depois de vir à tona o estupro coletivo sofrido por uma adolescente de 16 anos no Rio de Janeiro. Em imagens divulgadas nas redes sociais, a garota aparece nua, desacordada e sendo tocada por vários homens.
O ato também lembrou casos de vítimas de estupro no estado, por meio de estacas em forma de cruz cravadas no solo da praça com os nomes e idades de cada mulheres que foram assassinadas e violentadas na capital. Um dos casos lembrados foi o da jovem Juliene Gonçalves, de 22 anos, cujo corpo foi encontrado nu e pendurado pelo pescoço no corrimão da arquibancada de um campo de futebol no bairro CPA II, em 2012. Até hoje, ninguém foi indiciado pelo crime.
Mulheres entoaram cantos e palavras de ordem contra a 'cultura do estupro' (Foto: Lislaine dos Anjos/G1)
O ato político-cultural teve início às 16h e, segundo Jacqueline de Oliveira, de 21 anos, que integra a organização do movimento, visa chamar a atenção da sociedade e principalmente das mulheres, para que discutam mais sobre o estupro e ajudem a derrubar o que elas definem como a “cultura do estupro” no país. A expectativa, segundo ela, é de que o ato reúna de 100 a 150 pessoas e que novos protestos sejam realizados na capital.
“O estupro não é um assunto discutido e precisamos chamar todos para o debate. Precisamos acabar com a cultura do estupro, essa prática social de violência que se caracteriza pela naturalização do ato do estupro e a culpabilização da vítima. A mulher foi violentada, mas buscam todas as formas de justificarem o ato de violência praticado contra ela”, disse.
Jacqueline de Oliveira, uma das organizadoras do
ato em Cuiabá (Foto: Lislaine dos Anjos/G1)
A manifestação conta com a participação de diversos grupos de mulheres, entre eles o Fórum Articulação Mulheres de Mato Grosso e Mulheres Negras, o Frente pela Vida das Mulheres e a Frnete Feminista da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e o Movimento dos Sem Terra (MST). O ato teve microfone aberto para o público, músicas compostas e tocadas por mulheres, apresentação de artistas e discussões sobre o estupro e o papel da mulher na sociedade.
Diversas faixas e cartazes foram espalhados pela praça onde as participantes com frases como: “o machismo mata e escraviza”, “a culpa não é minha, é da sua mente suja” e “meu corpo, minhas regras”. Para Glória Maria Munhoz, representante do Fórum Articulação Mulheres de MT e Mulheres Negras, um dos principais pilares do movimento é a luta das mulheres por respeito.
“A nossa alma dói. Não pedimos por cantadas. Queremos que entendam que quando dizemos não, é não. Não precisamos pedir por respeito. Nós merecemos respeito. Queremos
'Cemitério' montado na praça lembrou mulheres assassinadas em MT (Foto: Lislaine dos Anjos/G1)
Estupros em Mato Grosso
De 1º de janeiro a 30 de maio deste ano, 474 casos de estupros foram registrados em Mato Grosso, sendo 78 deles apenas em Cuiabá, segundo dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp). A média é de pelo menos três casos por dia. Em 2015, foram 1047 estupros no estado, dos quais 219 foram registrados na capital e 90 em Várzea Grande.
Segundo a presidente do Conselho dos Direitos da Mulher e defensora pública do Núcleo de Direitos da Mulher, Rosana Leite, os números, porém, podem ser maiores, pois muitas mulheres deixam de relatar os abusos sofridos por vergonha, medo e até mesmo culpa.
Cartazes foram espalhados pela praça contra a
cultura do estupro (Foto: Lislaine dos Anjos/G1)
“Isso precisa mudar. As vítimas devem procurar a delegacia e relatar o abuso sofrido para que o agressor seja punido e o poder público possa entender o que ocorre com as mulheres no estado e trabalhar a prevenção. As vítimas não podem ficar quietas. Nós temos que culpabilizar o verdadeiro culpado e deixar a vítima assumir o papel dela de vítima, ampará-la”, afirmou.
Durante ao ato contra o estupro na capital, a defensora destacou a importância da implantação de políticas públicas para “mudar paradigmas” e diminuir esses dados na capital.
“A cultura do estupro vai desde o assovio que as mulheres recebem nas ruas, as cantadas, partindo para os abusos sexuais e a violência propriamente dita, através do estupro. Temos que mudar paradigmas, mudar a forma como criamos os nossos filhos, precisamos incluir a educação não sexista e a violência contra a mulher nos currículos escolares”, disse.
'Vida marcada'
A delegada Jozirlethe Magalhães Criveletto, que atua na Delegacia de Defesa da Mulher em Cuiabá e integra o Conselho dos Direitos da Mulher, ressaltou, durante o protesto, que os governos precisam capacitar melhor os gestores das instituições competentes para atender as mulheres vítimas de violência.
Dezenas de mulheres participaram de ato contra o estupro em Cuiabá (Foto: Lislaine dos Anjos/G1)
No caso do estupro coletivo lembrado pelas participantes no ato, o delegado responsável pelo caso foi substituído após a adolescente relatar que ele a culpava pela violência sofrida e a deixou desconfortável durante o depoimento.
“A sociedade precisa entender como o estupro afeta a vida e a alma das mulheres que são violentadas. As vítimas devem ter a segurança de saber que ela é vítima e vai procurar uma instituição e ser atendida sem julgamento. Reivindicamos essa capacitação para que os servidores possam fazer uma esculta ativa, sem prejulgamento, sem discriminação”, disse a delegada.
Manifestantes espalharam cartazes em praça de Cuiabá (Foto: Lislaine dos Anjos/G1)
A vida de uma mulher que passa por um trauma como o estupro, segundo a delegada, pode ser marcada para sempre. É o caso de uma mulher de 35 anos, que prefere não ser identificada, e que passou por dois casos de abuso durante a infância e adolescência e, hoje, ainda vive as sequelas dos atos cometidos contra ela.
Estuprada aos quatro anos e novamente quando era adolescente, ela teve problemas para se relacionar com seus parceiros e conseguiu se casar apenas após falar sobre os traumas sofridos. Posteriormente, viveu mais um drama: o de não poder ser mãe. Após sofrer abortos, descobriu que, por traumas causados pelos estupros sofridos quando era criança, precisaria passar por uma cirurgia para a retirada do útero. Hoje, ela usa as experiências sofridas para lutar contra o estupro no país.
Fonte:http://g1.globo.com/mato-grosso